banner-article-recruitmentai

IA e Recrutamento na Linha da Frente

23 recrutadores, 2 países e uma realidade partilhada: a IA está a mudar o recrutamento — mas não aquilo que realmente valorizamos.

Há alguns meses, quando publicámos o artigo Estará a Inteligência Artificial a mostrar a tua melhor versão?, explorámos de que forma a IA está a influenciar o recrutamento sob várias perspetivas: a autenticidade das candidaturas, os dilemas colocados pelos sistemas automatizados de rastreamento (ATS), as implicações éticas e regulatórias da legislação sobre IA e as hipóteses sobre como estas tecnologias poderão redefinir o futuro da seleção de talento.

Nesta nova edição, quisemos alargar a nossa perspetiva e compreender como todas estas mudanças são percebidas a partir de dentro: através da experiência de quem está na linha da frente do recrutamento.

Para isso, realizámos um inquérito interno junto de 23 membros das nossas equipas de Talent Acquisition em Espanha e em Portugal, com o objetivo de compreender em primeira mão que transformações estão a observar, como estão a adaptar o seu trabalho e o que permanece inalterado na relação entre pessoas e tecnologia.

Este artigo apresenta as suas conclusões e uma convicção partilhada: no futuro do recrutamento, a tecnologia continuará a evoluir — mas a autenticidade continuará a fazer a diferença.


O que vemos na linha da frente?

Os resultados do inquérito revelam um cenário de mudança visível, embora ainda numa fase inicial.

Mais de metade dos nossos recrutadores afirma detetar, pelo menos ocasionalmente, sinais de conteúdo gerado por inteligência artificial nas candidaturas que analisam. 39% identificam-nos entre 10% a 30% dos casos, e 17% com maior frequência — entre 30% a 60% das candidaturas.

Gráfico 1: Com que frequência os conteúdos gerados por IA são detetados nas candidaturas pelos nossos recrutadores

 

A pegada da IA, portanto, começa a tornar-se comum, embora ainda não dominante. Os nossos colegas de Talent Acquisition descrevem padrões recorrentes: textos impecáveis, mas excessivamente formais, linguagem técnica ou “padronizada”, frases genéricas, estruturas idênticas e uma surpreendente ausência de detalhes pessoais. Alguns chegam a destacar o uso repetitivo de palavras-chave, provavelmente com o intuito de alcançar uma maior compatibilidade com os sistemas utilizados pelas empresas contratantes (ATS-friendly).

Um dos comentários resume bem esta perceção: “Os textos são coerentes, mas demasiado perfeitos para soarem naturais.”

Também são visíveis mudanças na forma como os candidatos apresentam a sua experiência profissional: CV cada vez mais focados em números e resultados, muitas vezes em detrimento da narrativa pessoal. Alguns recrutadores interpretam isto como um efeito indireto das ferramentas automáticas, que tendem a privilegiar a estrutura e a otimização em vez da autenticidade.

Gráfico 2: Que conteúdos gerados por IA chamara a atenção dos nossos recrutadores

 

Contudo, este fenómeno parece restringir-se à fase escrita do processo. Nenhum dos participantes reportou diferenças significativas durante as entrevistas. A IA pode ter mudado a forma como os CV são escritos, mas ainda não alterou a maneira como as pessoas se expressam, improvisam ou constroem uma ligação humana.

Uma tendência confirmada

De acordo com um inquérito da Gartner realizado a mais de 3.200 candidatos, quatro em cada dez (39%) admitem ter utilizado IA em alguma fase do processo de candidatura. Um estudo da empresa norte-americana Career Group Companies eleva esse número para 65%, enquanto uma sondagem francesa citada pela Euronews vai ainda mais longe: 77% das pessoas que procuram emprego afirmam já ter recorrido a ferramentas de IA na sua procura.

Os nossos próprios dados confirmam esta tendência: num inquérito aberto no LinkedIn, três em cada quatro profissionais (75%) declararam usar IA de forma regular ou ocasional ao preparar as suas candidaturas.

A comparação entre estes estudos e as perceções das nossas equipas sugere uma diferença natural entre a adoção por parte dos candidatos e a deteção por parte dos recrutadores. Enquanto a maioria dos profissionais do mercado já integrou estas ferramentas no seu dia a dia, a sua presença nos processos de seleção ainda é desigual: muito visível em alguns casos, quase impercetível noutros.

Para os recrutadores, isto representa um novo tipo de desafio. As candidaturas chegam melhor redigidas, mas também mais impessoais; o tempo dedicado a verificar a veracidade e a coerência do conteúdo aumenta, e a intuição volta a ser um recurso essencial.

Como as nossas equipas de recrutamento se estão a adaptar

Os resultados do inquérito interno mostram que, embora a maioria dos recrutadores da Neotalent Conclusion não sinta grandes dificuldades em identificar a autenticidade ou a motivação de um candidato, já começou a ajustar conscientemente os seus métodos de avaliação.

Numa escala de 0 a 10 — em que 10 representava a dificuldade máxima —, a média das respostas ficou abaixo de 3. Isto sugere que a IA ainda não afetou a capacidade dos nossos recrutadores para detetar a sinceridade ou o envolvimento. No entanto, estabilidade não significa inação: as equipas estão a reagir e a refinar os seus métodos.

Gráfico 3: Dificuldade em avaliar a autenticidade, veracidade ou motivação real de um candidato

 

Os dados revelam uma mudança clara de foco. Quase dois terços dos participantes afirmam agora verificar com maior detalhe a coerência entre o CV, o perfil de LinkedIn e a conversa durante a entrevista. Esta triangulação tornou-se uma ferramenta fundamental para distinguir entre uma apresentação formalmente cuidada e um conteúdo genuíno.

Da mesma forma, mais de metade afirma fazer perguntas mais diretas sobre a motivação do candidato, procurando não apenas saber o que o candidato consegue fazer, mas também por que razão o quer fazer. Paralelamente, quase um terço declara avaliar as soft skills de forma mais intencional, e cinco recrutadores em vinte e três valorizam agora mais as entrevistas presenciais ou os testes práticos do que os documentos escritos.

Esta mudança metodológica reforça uma conclusão clara: à medida que a tecnologia automatiza parte da interação, a atenção desloca-se para o que não pode ser automatizado. Empatia, coerência e pensamento crítico tornam-se os verdadeiros indicadores de autenticidade.

Por outro lado, a adoção de ferramentas tecnológicas específicas para detetar IA continua praticamente inexistente — nenhum dos recrutadores inquiridos afirmou utilizá-las.
Em vez de se apoiarem em software de deteção, as equipas confiam na experiência, na escuta ativa e no cruzamento de informação para interpretar nuances que nenhum algoritmo conseguiria captar.

Gráfico 4: Mudanças de comportamento devido ao aumento da IA nos nossos processos de recrutamento

 

No geral, os dados refletem uma atitude equilibrada perante a transformação tecnológica: nem resistência nem dependência, mas adaptação consciente e centrada nas pessoas.

Quando a tecnologia ajuda… e quando confunde

A experiência das nossas equipas revela uma relação ambivalente com o uso da IA pelos candidatos. Embora a maioria concorde que o seu impacto é geralmente neutro ou moderadamente positivo, também alertam para alguns riscos quando utilizada de forma acrítica ou despersonalizada.

Quase metade dos nossos recrutadores acredita que a IA influenciou positivamente algumas candidaturas, especialmente quando utilizada para melhorar a estrutura do CV, organizar a informação ou preparar entrevistas. 39% afirma que isso acontece às vezes, enquanto apenas duas pessoas dizem observá-lo com frequência. Os efeitos negativos são menos comuns: 43% não viram benefícios claros, mas também não identificaram consequências adversas.

Ao mesmo tempo, 74% afirmam que o uso da IA raramente ou nunca afetou negativamente a perceção de um candidato. Por outras palavras, embora o uso destas ferramentas seja cada vez mais visível, raramente prejudica uma candidatura — desde que seja utilizado de forma coerente e transparente.

Vários colegas notam que, quando usada corretamente, a IA pode ser um apoio valioso para quem procura expressar-se com maior clareza, sobretudo noutro idioma ou ao descrever competências técnicas.

Uma das observações mais recorrentes foi que estas ferramentas ajudam os candidatos a “estruturar melhor o seu discurso e a ganhar confiança durante as entrevistas.”
Outros, no entanto, mencionam efeitos contrários: textos demasiado semelhantes, conteúdo repetitivo ou incoerências entre o que está escrito e o que o candidato consegue explicar depois.

O problema não está em usar IA — está em delegar-lhe a responsabilidade de contar a tua própria história”, resumiu um membro da equipa.

Conselhos da nossa equipa

Quando lhes foi pedido que partilhassem conselhos para os candidatos que desejam usar a IA nas suas candidaturas, a mensagem da nossa equipa foi praticamente unânime: usá-la como apoio, não como substituto. As recomendações mais frequentes foram:

  • Usar a IA para estruturar e rever, não para inventar. “Usa-a para criar rascunhos e estruturar, mas revê com um olhar humano e certifica-te de que tudo está alinhado com a tua experiência real.”
  • Preservar a autenticidade. “A IA pode ajudar a melhorar o texto, mas o elemento humano, a autenticidade e o tom natural continuam a ser indispensáveis.”
  • Evitar o excesso de perfeição. “Uma linguagem demasiado polida ou afastada do estilo pessoal do candidato é facilmente identificável e reduz a credibilidade.”
  • Aplicá-la de forma crítica. “É útil para gerar ideias ou preparar entrevistas, mas a mensagem deve ser adaptada à forma natural de comunicação de cada um.”

Em última análise, a IA é vista como uma ferramenta útil quando aplicada com discernimento, mas arriscada quando substitui a reflexão pessoal.

Para além da automatização

O nosso inquérito revela uma visão equilibrada e profundamente humana do futuro do recrutamento. Para a maioria dos nossos recrutadores, a inteligência artificial não substituirá o papel do profissional — obrigará antes a repensá-lo.

Longe de a verem como uma ameaça, eles encaram-na como uma ferramenta capaz de poupar tempo, fornecer contexto e aumentar a precisão, desde que seja utilizada com espírito crítico.

Alguns descrevem-na como “uma ferramenta válida para otimizar processos de pesquisa” ou “um apoio que nos permitirá ser melhores recrutadores”, enquanto outros sublinham que o seu impacto dependerá da formação, do discernimento e da ética de quem a utiliza.

No seu conjunto, os seus testemunhos convergem numa ideia essencial: a tecnologia pode melhorar os meios, mas não o propósito. Como referiu um dos participantes, “O resultado — bom ou mau — da IA dependerá do discernimento de quem a usa.”

O consenso é claro: o verdadeiro valor acrescentado do recrutamento continuará a residir naquilo que não pode ser automatizado. As ferramentas podem escrever, resumir ou filtrar, mas não conseguem interpretar nuances, ler nas entrelinhas ou reconhecer a emoção por detrás de uma resposta.

Como outro colega afirmou, “A IA não pode substituir a intuição, a empatia e o julgamento humano na seleção de talento; há coisas que apenas se sentem.”

Essa convicção atravessa todas as respostas: o futuro do recrutamento será híbrido, mas a sua essência continuará a ser humana. Haverá mais automatização, mais dados e maior eficiência — mas também uma ênfase renovada na autenticidade, na transparência e na ligação genuína entre pessoas.

Talvez, como sugeriu um recrutador, “as entrevistas presenciais possam voltar a ganhar importância” — não por nostalgia, mas porque o contacto direto continua a ser o melhor antídoto contra a homogeneização tecnológica. Em última instância, a IA está a redefinir o trabalho dos recrutadores, mas também a reforçar o seu propósito.

Recrutar talento nunca foi apenas identificar competências; é reconhecer potencial, motivação e coerência humana. Nesse domínio, a inteligência continua — e continuará — profundamente humana.

Conteúdos que te podem interessar

A nomeação de Desiree Fraser como diretora de Managed Services na Conclusion Iberia marca um novo ciclo de crescimento para a região. A executiva lidera a criação de novas ofertas tecnológicas e a expansão de um portefólio estratégico que deverá representar mais de 50% da receita ibérica até 2030. A Ibéria afirma-se como incubadora de inovação e pilar essencial na ambição europeia do grupo.
Entrar no mercado de trabalho pode ser um desafio para recém-licenciados. Neste artigo, quatro Talent Acquisition Consultants da Neotalent Conclusion partilham conselhos práticos sobre como preparar o CV, destacar-se em entrevistas, lidar com a rejeição e ganhar confiança em cada candidatura. Descobre o que os recrutadores procuram em candidatos júnior e aprende a dar os primeiros passos na tua carreira com motivação e autenticidade.
Patrícia Bastos, UX/UI Designer na Neotalent Conclusion, partilha o seu percurso da arte ao design digital, explorando a transição de carreira, a importância da empatia no UX e os desafios atuais da área. Uma entrevista inspiradora para quem está a começar ou já vive o mundo do design. Descobre como a criatividade, a escuta ativa e a paixão moldam experiências digitais centradas nas pessoas.

Apply
Here

I'm applying to:
IA e Recrutamento na Linha da Frente
Procurar
Close this search box.