A Patrícia Bastos é designer de UX/UI na Neotalent Conclusion e tem um percurso tão versátil quanto inspirador. Com formação em Belas-Artes, trouxe a sua sensibilidade visual para o universo digital, no qual desenvolve soluções centradas nas pessoas e com impacto real na experiência do utilizador.
Recentemente, a Patrícia foi oradora num evento que coorganizamos com a Ladies That UX Lisbon, onde partilhou a sua visão sobre design inclusivo e a evolução da disciplina de UX/UI.
Nesta entrevista, a Patrícia conta-nos a sua transição de carreira, o dia a dia em equipas multidisciplinares e os desafios atuais da área. Um testemunho que convida à reflexão — e que vai inspirar tanto quem está a começar, como quem já vive o design por dentro.
O UX/UI nem sempre foi a tua área profissional. Queres contar-nos um pouco acerca do teu percurso até ao dia de hoje? O que te motivou a entrares para a área de UX/UI?
PB: A minha formação de base é em Belas Artes, tendo depois aprofundado o meu percurso académico com um mestrado em Arte Contemporânea. A verdade é que as oportunidades foram surgindo mais como designer gráfica, mais em regime part-time no início, e foi a partir daí que o meu trajeto começou a evoluir de forma natural para áreas mais digitais. Com o crescimento acelerado das apps, surgiu a oportunidade de trabalhar mais de perto com equipas multidisciplinares, incluindo designers focados na experiência do utilizador. Essa proximidade despertou em mim um interesse crescente em perceber, de forma mais aprofundada, o comportamento das pessoas que utilizam os produtos que eu ajudava a criar.
Sempre tive uma enorme curiosidade sobre as motivações e necessidades dos utilizadores, o que me levou a querer explorar mais a fundo métodos de investigação e análise. Decidi, então, complementar a experiência prática com uma formação especializada na EDIT, em Lisboa, que me permitiu adquirir ferramentas e metodologias que não estavam tão acessíveis no meu dia a dia de trabalho. Foi nesse momento que percebi que a componente de investigação, compreensão de contextos e desenho de soluções centradas nas pessoas era algo que realmente fazia sentido para mim e onde me sentia mais realizada.
A tua formação em Belas Artes influenciou a forma como abordas o design digital? Que competências trouxeste dessa área que hoje reconheces como uma mais-valia no teu trabalho?
PB: Sem dúvida. A minha formação em Belas Artes teve um impacto profundo na forma como abordo o design digital. Desde cedo, fui habituada a pensar de forma crítica e a explorar o processo criativo de maneira livre, o que me ensinou a observar com atenção, a questionar e a encontrar soluções visuais com significado. Essa base deu-me uma sensibilidade apurada para a composição, a cor, o equilíbrio visual e a narrativa, elementos que continuo a aplicar no design de interfaces.
Para além disso, o percurso nas artes deu-me uma grande capacidade de lidar com a ambiguidade e de manter a mente aberta perante diferentes perspetivas…algo fundamental quando se trabalha em projetos centrados nas pessoas. Hoje, reconheço que essa abordagem mais conceptual, aliada à prática constante da experimentação e da iteração, enriquece muito o meu trabalho em UX/UI.
Como é o teu dia a dia como UX/UI Designer? Quais são as tuas principais responsabilidades?
PB: O meu dia a dia como UX/UI Designer não é assim tão rotineiro, mas começa sempre com duas reuniões, uma em cada equipa a que pertenço. Nessas sessões, analisamos o estado das tarefas, identificamos dependências e esclarecemos dúvidas. Depois, dedico-me às minhas tarefas, mas acabo por ter sempre outras reuniões, seja para apoiar osdevelopers, alinhar soluções com o arquiteto antes de finalizar qualquer design, ou conversar com os utilizadores para delinear estratégias que permitam resolver os seus problemas. Duas vezes por semana, participo noutras reuniões de refinement, planning, retro ou review com ambas as equipas.
Neste momento, estou a trabalhar num projeto B2B, a criar mockups para melhorias de dois produtos existentes e realizo pesquisa de utilizadores para entender as suas necessidades e expectativas. Também faço uma análise profunda do produto, para garantir que se mantém consistente e coerente, crio personas, faço análise competitiva e testes de usabilidade em protótipos ou através de questionários personalizados.
Podes descrever as principais etapas que segues no teu processo de criação, desde o briefing inicial até à implementação da solução?
PB: O meu processo de criação segue várias etapas-chave. Primeiro, começo por entender o briefing inicial, alinhando com as equipas sobre o objetivo de cada pedido, o impacto no produto e os requisitos técnicos. De seguida, faço user research e/ou análise do produto existente para identificar pontos de melhoria. Com base nisso, crio mockups e/ou protótipos, validando-os através de testes de usabilidade e outro feedback. Após iteração, refino o design final, alinhando com os developers e com o arquiteto. Por fim, acompanho a implementação, para garantir que o produto final está coerente com a solução desenhada.
O que é, para ti, uma boa experiência de utilizador? Há algum projeto ou interação digital que te tenha marcado como utilizadora e que influencie o teu trabalho hoje?
PB: Para mim, uma boa experiência de utilizador é aquela em que o produto resolve um problema de forma eficiente, sem criar pain points ou frustrações. O design deve ser claro e intuitivo e comunicar de forma fácil e direta com o utilizador. Um produto que não consiga comunicar de forma eficaz, não consegue criar engagement. A navegação deve ser fluida e a interação simples, para que o utilizador sinta que está a atingir os seus objetivos sem obstáculos.
Como utilizadora, aprecio produtos que sejam simples, diretos, com um bom UI e com um ou outro easter egg. Já me deparei com apps que, devido ao excesso de cliques ou aos fluxos inconsistentes, acabei por apagar. Essa experiência reforça a importância de criar soluções claras e consistentes, o que tento aplicar nos meus próprios projetos, para que os utilizadores nunca se sintam perdidos ou frustrados.
A diversidade de género é um tema amplamente debatido na área da tecnologia. Como vês a diversidade de género em equipas de UX/UI em comparação a outras áreas de IT? Como tem sido o teu percurso como mulher em UX/UI?
PB: A diversidade de género ainda é um desafio na tecnologia, onde há uma grande disparidade entre homens e mulheres, especialmente em áreas como desenvolvimento e engenharia. No entanto, no UX/UI, acho que essa diferença é menos notória, já que as equipas de design tendem a ser mais equilibradas em termos de género do que em outras áreas da tecnologia. Acredito que, devido à natureza da função, que exige uma forte empatia e foco nas necessidades dos utilizadores, as mulheres acabam por se destacar neste campo, trazendo uma abordagem mais sensível e centrada na experiência humana.
No meu percurso, como mulher em UX/UI, já enfrentei alguns desafios, seja na necessidade constante de provar o meu valor ou na dificuldade em defender as minhas decisões em equipas predominantemente masculinas, mas também acho que a indústria está a evoluir e as mulheres têm um papel essencial na construção de experiências que realmente fazem a diferença.
No presente, quais são para ti os maiores desafios na área de UX/UI? Como vês esta área a evoluir nos próximos anos?
PB: Na minha opinião, os maiores desafios na área de UX/UI, atualmente, estão relacionados com o ritmo acelerado das evoluções tecnológicas. Estar sempre a par das novidades e conseguir adaptar-nos a elas exige uma constante aprendizagem e adaptabilidade da nossa parte. A cada novo desenvolvimento, como novas plataformas, dispositivos ou até tendências de design, surge a necessidade de entender como podemos implementar essas inovações de forma eficaz para continuarmos a comunicar e a resolver os problemas dos utilizadores.
Nos próximos anos, vejo a área a evoluir com a integração de novas tecnologias, como a inteligência artificial e a realidade aumentada, que vão permitir criar experiências ainda mais personalizadas e imersivas. O UX/UI vai ser cada vez mais centrado nas necessidades individuais e acredito que veremos um maior ênfase na criação de interfaces intuitivas e eficientes – as pessoas têm cada vez menos tempo a perder!! Além disso, a sustentabilidade, a acessibilidade e a ética no design vão ser cada vez mais um requisito, à medida que a responsabilidade social e ambiental se torna uma questão central para as empresas.
Que conselhos darias a alguém que está a considerar uma carreira em UX/UI?
PB: O meu primeiro conselho é focar-se em aprender a comunicar eficazmente. Isso não significa apenas perceber os utilizadores, mas também ser capaz de defender as suas decisões de design com clareza. Criar um bom portfólio é essencial: deve ser pensado como uma narrativa e não apenas como uma coleção de trabalhos. Devemos escolher os projetos que realmente refletem um processo e contam uma história, para que quem veja o portfólio consiga perceber logo a nossa capacidade de comunicar e de resolver problemas.
Nunca penses que por seres um utilizador percebes de experiência de utilizador. Vejo muitos designers a cometer o erro de tentar resolver problemas com base apenas no que acham que funciona e na sua própria intuição, sem recorrer à pesquisa, a estratégias bem fundamentadas e, fundamentalmente, à empatia, que é saber colocar-se no lugar do outro e aceitar diferentes perspetivas.
Recomendo a leitura de três livros que mudaram o meu mindset: o “Articulating Design Decisions”, de Tom Greever, para aprender a comunicar decisões de forma eficaz, o “Hooked”, de Nir Eyal, para entender melhor como criar produtos que cativam os utilizadores e que geram engagement e o “Don’t Make Me Think”, de Steve Krug, para aprender os princípios de usabilidade e de como simplificar a experiência do utilizador. Depois de os leres, decide se é isso que queres – se não gostares, esquece, se gostares, avança. Se estiveres disposto/a a estar sempre a inovar, a adaptar-te, a estudar para te atualizares numa área que está sempre em constante mudança, avança.
E, claro, o básico, como em qualquer profissão: apaixona-te pelo que fazes!